top of page

E quem cuida de quem cuida?

Se você é a pessoa quem está junto, próxima ou cuida de quem tem câncer, sabe que as coisas não estão nada fáceis pra você também. Você não está doente e, mesmo assim, esse negócio vem atropelando sua vida sem dó.

Cuidar muitas vezes significa abrir mão da própria vida: há quem deixe o emprego pra acompanhar quem está em tratamento, há quem deixe de lado os hobbies e atividades extras pra se dedicar aos cuidados, há quem deixe de sair de casa, de ver pessoas importantes pra não deixar a pessoa querida sozinha ou sentindo-se só, e por aí vai.


Quem cuida sofre junto, faz o tratamento junto, passa mal junto, se isola junto, tudo porque se envolve de tal maneira nessa rotina que fica difícil abandonar ou não sentir. Se preocupa com o que o outro vai pensar e sentir se tomar essa ou outra atitude, se falar isso ou aquilo, se agir meio assim ou meio assado. E isso tudo é só pra resumir.


Como dizer à pessoa que vai passar por uma cirurgia delicada que tem pensado no testamento, senhas de banco, no caso de a cirurgia não correr da melhor maneira? Falar sobre pode piorar a resposta ao tratamento?


Essa dúvida é muito comum, assim como também é para a própria pessoa que está em tratamento. O medo de tocar no assunto acontece dos dois lados: tanto do cuidador quanto do paciente. É importante entender, nesse momento, que se preparar, se precaver, não é sinal de desistência, mas de prudência, enquanto todos os esforços continuarão sendo feitos da melhor maneira possível.


A minha pessoa querida, enferma, não quer sair de casa nem quer receber visitas. Se eu sair, ela vai se sentir abandonada? E se ela precisar de mim enquanto eu estiver fora?


É fundamental que não se tire a autonomia da pessoa que se trata. Uma doença como o câncer, que ameaça a vida das pessoas que a tem e que abala toda a estrutura, a rotina e a independência delas, costuma dar origem a comportamentos dos cuidadores que acabam limitando a autonomia, tanto da pessoa que está doente, quanto a própria.


Tudo isso, claro, na melhor das intenções e, muitas vezes, sem que ninguém perceba se isto é mesmo necessário ou não. Dentro das possibilidades físicas de quem está enfermo, é preciso deixar que ele/ela continue fazendo tudo o que fazia (que fique claro, desde que consiga fazer, ainda que de forma mais lenta e sem a destreza de antes da enfermidade). É importante estimular essas ações com paciência e cuidado.


Quando a impossibilidade é emocional (falta ânimo ou vontade, por exemplo), a estimulação e o acompanhamento podem ser necessários, mas isso não deve ser eterno. Sabe aquilo que um adulto faz pra ensinar uma criança a andar de bicicleta? Segura a bicicleta e acompanha a criança até que ela consiga se equilibrar razoavelmente, então vai soltando uma mão, depois a outra, até que para de correr atrás da bicicleta e só observa de longe, acolhe quando a criança cai e começa de novo até que a ajuda se torna desnecessária, porque a criança aprende até a cair e a se levantar sozinha.


É mais ou menos por aí. Lembrando que não estamos falando de alguém acamado e fisicamente impossibilitado; nesse caso, sempre que houver quem fique com esse alguém enquanto você se ausenta, não hesite em pedir/aceitar a ajuda. Não é crueldade nem negligência nem abandono, é necessidade. Entendo que você conhece melhor as necessidades da pessoa de quem você cuida do que qualquer um, mas a sua saúde também está em jogo, por mais amor e vontade de se dedicar que você tenha.


Tenho vontade ou necessidade de sair, reconheço que não sou insubstituível (pelo menos por um certo período) e sei que preciso de ajuda, mas ninguém se oferece e acho que as pessoas deveriam perceber...


Este é um pensamento muito comum entre os cuidadores. Uma coisa eu preciso te falar: muita gente pode, deve e não se oferece para ajudar, e por muitos motivos. Alguns acham que você não quer, outros acham que você é que deve cuidar mesmo, e muitos pensam que não saberiam como fazer ou até sentem medo da primeira experiência.


O fato é: se você precisa ou quer ajuda, peça, por mais óbvia que sua necessidade possa parecer aos outros. Entendo que muitas vezes isso não é confortável nem agradável, e que há também o receio de incomodar os outros e de ouvir desculpas e negativas.


Mas se você não pede, não fica sabendo se tem ou não com quem contar, não acostuma os outros a se oferecerem, não resolve problemas importantes que exigem a sua ausência da beira da cama, não recarrega suas energias nem descansa, mergulhando no mundo da doença e correndo um risco alto de adoecer também. O mínimo que você precisa fazer é instruir quem for ficar no seu lugar quanto ao que precisa ser feito, horários de remédios e rotinas, deixar tudo anotado se for preciso e ir fazer o que você precisa ou quer fazer.


Existem diversos outros assuntos de que você precisa se ocupar quando está nessa posição: mais do que de cuidador/cuidadora, de alguém que ama, se preocupa e se sente responsável por alguém que também já tem problemas mais do que suficientes. O que preciso dizer a você é que não deixe de cuidar de si mesmo/mesma. Prevenir o stress é fundamental pra que você continue auxiliando pessoas amadas com a sua própria saúde em condições pra tanto.


Um grande abraço!



bottom of page