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Ansiedade e câncer (I)

Não é incomum que uma pessoa com câncer venha a experimentar níveis elevados de ansiedade durante o tratamento, às vezes até depois. Pode ser que você já se considerava uma pessoa ansiosa antes mesmo do diagnóstico e que ele só tenha agravado a sensação ou os sintomas; pode ser também que você venha experimentando níveis altos o suficiente para atrapalhar seu engajamento ao tratamento ou seus relacionamentos.


De qualquer modo, é importante conhecer aquilo com o que estamos lidando para podermos enfrentar de forma mais eficaz. Hoje, vamos entender melhor o que é esse negócio que chamam de ansiedade, e que tanto incomoda.



A ansiedade nada mais é do que uma resposta fisiológica do nosso corpo diante de qualquer indício de perigo ou algo considerado como uma ameaça. Essa resposta é constituída de uma série de reações do organismo no sentido de prepará-lo para a luta ou a fuga, para manter a integridade e a vida contra qualquer ameaça externa.


Isso significa que, por pior que sejam essas sensações, elas existem para nos proteger, têm um valor de sobrevivência.


Assim, a função do cérebro saudável, em qualquer situação de perigo, é a de avisar o sistema nervoso autônomo simpático (responsável pelas respostas de luta e fuga), que libera adrenalina e noradrenalina - duas substâncias químicas que coordenam uma série de reações no corpo, como: aceleração e força dos batimentos cardíacos, aumentando a circulação sanguínea e a oxigenação dos tecidos, principalmente dos grandes músculos, necessários para correr ou lutar, ao mesmo tempo em que diminui a circulação de sangue nas extremidades (dedos e pele) - o que diminui o risco de hemorragia caso o organismo seja ferido.


Perfeitamente orquestrado, né? Mas tudo isso também leva àquela batedeira desconfortável sem fim que a gente sente quando fica com medo ou ansios@, bem como a sensações de formigamento nas mãos e pés, a palidez etc.


A respiração também se acelera e fica mais superficial, permitindo trocas gasosas mais rápidas entre organismo e ambiente, e a oxigenação necessária, de que falamos ali em cima. Essa alteração na respiração também é responsável por aquelas sensações de falta de ar e sufocamento, assim como pelas dores no peito (que levam muita gente a achar que está enfartando).


Outras sensações como visão embaçada ou alterada, tontura, confusão, sudorese aumentada, alterações na temperatura corporal, boca seca, náusea, pressão no estômago, dor de barriga... Tudo isso é, além de extremamente desagradável, natural diante de situações de ameaça à sobrevivência e pode ser cientificamente explicado. Não vou me estender nas explicações de cada ponto, mas é preciso entender que nada disso arrisca sua vida (apesar de parecer) e, pelo contrário, nos leva a nos proteger.


Tá, pode ser que você tenha experimentado todas essas reações ou até outras. Mas pode ser também que, no seu caso, não chegue a tanto. Isso porque a ansiedade pode ser experimentada de várias formas e em vários níveis diferentes.


Muitas vezes, você não identifica um perigo. Podemos experimentar muitas dessas sensações diante de uma apresentação em público, por exemplo. Nesse caso, não há risco de perder a vida; talvez apenas de passar vergonha, de ser julgado negativamente etc. Ou seja, muitos riscos, que chamo de "sociais", não se referem à sobrevivência do organismo. Mas, ainda assim, essa sensação incômoda pode ser considerada uma manifestação da ansiedade.


Além disso, quando você vai se submeter a uma sessão de quimio, por exemplo, existem outros fatores envolvidos. Se, em algum momento, em alguma sessão, você sentiu efeitos como náusea e vômito, é possível que tenha "aprendido" a associar essas sensações a estímulos anteriormente neutros presentes naquela situação, como o jaleco que os profissionais que administram a medicação usam, agulhas ou o próprio local de tratamento.


Tudo porque somos capazes de fazer interpretação, ou seja, condicionamos estímulos a reações, de modo que esses estímulos, que muitas vezes não levariam a nenhuma sensação em outro momento, passam a levar.


É aí que passamos a experimentar o que chamamos de ansiedade antecipatória. Alguns chamam de "síndrome do jaleco branco", mas podemos entender que é a ansiedade entrando em cena, depois de termos aprendido, numa experiência ruim, que o jaleco branco (ou qualquer outro estímulo) é seguido de uma sensação desagradável. O estímulo, então, torna-se capaz de levar a reações de ansiedade, sentimentos como medo, e até aos efeitos de náusea e vômito antes mesmo de receber a quimio novamente. Também pode levar a crises de pânico, que precisam ser tratadas de forma focada e específica por um profissional competente.


Enfim, qualquer que seja o caso e o contexto, é preciso entender direito o que chamamos de ansiedade e começar a aprender a lidar com ela. Digo começar porque, dependendo do caso, envolve um trabalho mais específico e profundo, e talvez seja mais indicado que você procure um profissional para te ajudar num processo psicoterapêutico.


A ansiedade, apesar de necessária para nossa sobrevivência, em níveis elevados pode atrapalhar e muito a nossa vida, nosso engajamento a qualquer tratamento de saúde e nossas relações, e precisa ser levada a sério e também tratada.


Nesse momento, apenas considere "fazer as pazes" com a sua ansiedade. Ela existe por um motivo, e um motivo muito nobre. Apenas fica fora de controle em alguns momentos. A melhora no conhecimento que você tem - seja a respeito do câncer, dos tratamentos ou até da própria ansiedade - aumenta muito as chances de que você lide melhor com tudo o que está acontecendo e experimente menos medo e outros sentimentos negativos.


No próximo post, trarei alguns exercícios para te ajudar a ativar a outra parte do sistema nervoso autônomo: o parassimpático, responsável pelas reações que "desligam" o alerta que o simpático ligou e levam ao relaxamento do organismo.


Até lá!











































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