Quando pergunto às pessoas que tem ou tiveram câncer, ao receber uma notícia como esta, em geral, a sensação que se tem assemelha-se à da queda livre, ou à de que o tempo parou naquele mesmo instante, de estar à deriva, sem rumo nem direção. Vamos falar claro: as pessoas, de um modo geral, se borram de medo de ter câncer! Por quê?
Um pouco pelo desconhecimento. O câncer é uma doença milenar, com registros de cerca de 4.000 anos a.C., mas o conhecimento a respeito dele só passou a ter contribuições mais significativas ali pelo século XVIII. Ainda assim, a crença popular tem se modificado apenas recentemente, há poucas décadas, quando deixamos de chamá-lo de "aquela doença" (cujo nome não se pronunciava). Algumas pessoas ainda não conseguiram sequer abandonar esse hábito.
O fato de não ser uma doença com curso e prognóstico claros costuma deixar os que sofrem desse mal desnorteados. Vou morrer? Será que tenho metástase? Esse médico... será que sabe o que está fazendo? E se as pessoas não estiverem me dizendo a verdade? Devo ir à igreja ou ao centro espírita e não ao hospital?
Muitos profissionais de saúde também comprometem a relação da pessoa que tem câncer com o tratamento, por não darem informações importantes ou fornecerem essas informações de modo "fracionado" ou desencontrado, por tratarem seus pacientes de modo frio ou aparentemente insensível, ou até por se manterem inacessíveis.
O fato é: se você tem câncer, sabe que tem muito mais do que uma doença. Tem dúvidas, insegurança, medo, raiva, tédio, às vezes sentimento de culpa, tem vontade de sair correndo ou de sumir, e sonha em um dia acordar desse pesadelo. Mas hoje venho te sugerir que tenha mais que isso.
Tenha uma ROTINA (que vai ser diferente daquela de antes do diagnóstico),
tenha um OBJETIVO de vida por semana,
tenha COMPROMETIMENTO com você mesmo e com seu tratamento.
Estou sugerindo que você não preencha seu tempo pensando no que vai ser das suas pessoas queridas se você não se curar e logo. A melhor maneira de garantir que você vai estar aí o máximo de tempo possível é investindo no seu cuidado, seu tratamento e sua determinação em viver. Pra isso, cerque-se dessas pessoas, para aproveitar da melhor maneira o tempo que tem com elas.
Sendo uma pessoa minimamente espiritualizada, tenha FÉ (especialmente no seu tratamento e em você mesmo, independente de ter ou não uma religião).
Encare este momento como um momento, e não como o resto de sua vida. E, sendo um momento, vamos resolver o que tem pra ser resolvido agora. Sabe aquela história de "um dia de cada vez"? É isso.
Tudo isso com a consciência de que, mesmo com tudo correndo bem, ainda não será a fase mais bonita e agradável da sua vida, o tratamento não é nada gostoso, e você precisa estar pelo menos preparado pra receber más notícias de vez em quando.
Imagino que você deve estar pensando aí: "é fácil falar". Te garanto que não é, porque tenho certeza de que suas dúvidas são muitas e provavelmente elas não se resumem ao que foi exposto aqui. Também sei que fazer essas coisas não tem nada de fácil.
Vou dizer de novo: cerque-se de ajuda, gente que quer e pode te apoiar de verdade, ABRA-SE com essas pessoas, diga "isso não é fácil", "estou com medo" e dê-se o direito de sentir medo (se tem um direito que o câncer te dá é o de sentir medo).
Você vai perceber que muita gente não faz ideia do que você está passando e vem com um monte de soluções mágicas pros seus problemas (e que não resolvem nada). Simplesmente porque tem pessoas que não sabem como ajudar (mas muitas querem de verdade!). Tenha paciência com elas (é... você tem câncer e ainda assim precisa ser paciente... Eu diria que mais do que nunca).
Qual é o quadro atual da sua doença? - você não precisa perder tempo aprendendo tudo sobre câncer, mas deve procurar conhecer o seu tumor.
O que é preciso fazer agora? Qual o objetivo desse tratamento, o que esperar dele? Que cuidados você precisa ter nesse momento? - conheça o seu tratamento para se preparar para ele: por que ele é assim, o que se espera que ele faça no seu tumor, se há efeitos colaterais e quais são. Procure participar ativamente do seu tratamento.
Como você se sente hoje? O que pode ser feito pra amenizar um possível mal estar? - estou falando de náuseas, dor, desconforto físico, até solidão, tédio, tristeza etc.
Como está seu/sua marido/esposa hoje? Como estão seus filhos na escola? Seus netos? Irmãos? Amigos? Seus pais estão precisando de alguma coisa? - independente dos seus medos a respeito do futuro, sua vida continua em curso, ela não vai esperar.
Em síntese eu te diria pra tirar o pé e fazer tudo o que estiver ao seu alcance HOJE (e já é coisa à beça!). Amanhã, a gente começa tudo de novo. Na luta pra continuar vivo/viva, não pare de viver em nenhum momento, combinado?
Um grande abraço!