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Sobre viver depois do câncer...

Algumas pessoas me dizem que é difícil encontrar ajuda especializada em câncer, pra aqueles primeiros passos que não se sabe como dar, nem pra onde levarão... Muitas pessoas tem a impressão de que, a partir do diagnóstico, um médico ou uma equipe assume(m) o controle de sua vida, que virou figurante da própria história. Já vimos que isso aumenta a sensação de desnorteamento, a ansiedade e outras condições que não facilitam em nada o tratamento: a postura ativa, curiosa, estudiosa, ajudam e muito no andamento do seu tratamento.


Mas se quem tem está em tratamento de câncer acha, por vezes, que é difícil encontrar ajuda especializada por aí, imagine quem passou pelo tratamento e entrou na tão sonhada remissão. Quem vai começar ou está no meio do processo pode pensar: "mas isso é ótimo! Quando isso acontecer comigo, serei a pessoa mais feliz do mundo, vou fazer tudo que tenho direito e nunca fiz, vou voltar a todas as atividades que eu amo e deixei de lado por conta dessa doença!"



A sensação que a maioria das pessoas que passam por um longo tratamento é essa mesmo, a de que, com tudo correndo bem, quando isso terminar, vai se acabar na farra, var dar mais valor à vida, às pessoas queridas (principalmente àquelas que o período de enfermidade selecionou), ou realizar algo muito significativo (mesmo que isso seja "apenas" retomar a vida de antes do câncer).


Pois se você está nesse grupo de pessoas, prepare-se: a coisa nem sempre é bem por aí.


Quando o assunto é câncer, receber o diagnóstico é aterrorizante. Ouvir do médico a proposta de tratamento, tudo a que você terá de se submeter e tudo de que terá de abrir mão por hora, desesperador. Aguardar o resultado dos exames após uma série de procedimentos é extremamente angustiante. A rotina toda de exames, consultas, sessões de quimio e radioterapia, cirurgias e procedimentos que, pra falar pouco, são chatos.


Acontece que (pasme!) isso tudo "acostuma". De uma forma ou de outra, todo ser humano busca adaptar-se ao ambiente, à situação em que se encontra, por pior que ela seja. Atenção: isso não significa que passamos a gostar de qualquer coisa. Adaptar-se a alguma condição não necessariamente envolve gostar dela. Significa apenas que nós criamos mecanismos para gastar menos energia (inclusive emocionalmente) em situações novas.


Pois bem, se nos adaptamos a situações ruins... Sair delas deve ser uma maravilha! Mas o que ocorre realmente é que tantas mudanças são exigidas pelo câncer e seu tratamento, tantos hábitos são alterados, a rotina fica tão diferente de como era antes, que quando tudo isso termina abre-se um novo "buraco" na perspectiva de futuro que as pessoas aprenderam a fazer.


Durante esse percurso, as pessoas são levadas, de uma forma ou de outra, a:

  • evitar situações - e automaticamente a descobrir outras fontes de satisfação;

  • selecionar pessoas - aquele parceiro de viagens, aquela amiga que te chamava pra tudo, até alguns parentes, muitas vezes se afastam, até por não saberem o que fazer, e novas amizades acontecem: aquelas pessoas que estão passando por uma situação semelhante à sua, que você conheceu no hospital ou num grupo de apoio, ou mesmo aquele/a conhecid@ nem tão próxim@, mas que deu uma super mão quando você precisou - passam a fazer parte importante da sua vida;

  • alterar radicalmente sua rotina, buscar atividades mais saudáveis, mudar hábitos alimentares, e por aí vai

Até aí, já dá pra ver o quanto um tratamento longo pode mudar uma pessoa. Mas o importante é entender que isso não é uma coisa ruim. Só é, de novo, diferente e desconhecido, e exige o raio da adaptação outra vez. A expectativa é, muitas vezes, a de que o tratamento é passageiro e, um dia, tudo vai voltar ao "normal".


Acontece que o "normal" muda, assuntos favoritos podem deixar de ter tanta importância, outros passam a interessar mais, a perspectiva muda a partir do câncer, e a vida vai seguindo por outro rumo que, só quando o tratamento termina, é que a pessoa se dá conta.


Agora, voltemos àquela história de que a gente seleciona as pessoas. A rotina de exames, consultas, internações, sessões disso e daquilo, por vezes é tão intensa e frequente que uma nova rede de apoio é descoberta. Novas amizades importantes se fazem, com gente que entende melhor pelo que você está passando, até porque vive algo parecido. Trocam-se contatos, experiências, confidências e se estabelecem novas relações muito diferentes - com pessoas que podem ser muito diferentes d@s amig@s que você costuma ter e, consequentemente, com a impressão de que não dá pra misturar os grupos.


Aí vem mais uma tonelada de sentimentos que só o/a sobrevivente entende:

  • constrangimento, por não saber a quem dar atenção, como negar um convite de um dos dois lados;

  • desnorteamento, por não saber mais a onde pertence, a que grupo, que rotina, que ambiente, muito menos por onde ou como recomeçar;

  • culpa, não só por eventualmente negligenciar alguém depois da remissão dos sintomas, mas pela própria remissão, por ter sido o/a sobrevivente;

  • sensação de estar sempre sendo observad@ por alguém que vai jogar o câncer na sua cara se você não se comportar, fumar, beber, não usar o boné e passar o protetor solar todo dia, comer demais, comer de menos, se irritar...

  • medo, porque uma vez que o câncer veio, parece que a ameaça da volta nunca se vai.

O fato de o protocolo pedir o seguimento por cinco anos é muito importante. Não é a toa que ele existe, e é fundamental que você o siga. Mas é um dos motivos pelos quais as pessoas ficam muito alertas e se sintam ameaçadas o tempo todo. Acontece que isso também vai passar, mas é aquela história... a água só ferve quando a gente pára de olhar.


Quero te dizer que o hábito vai acontecer. Você não se acostumou com a rotina "câncer" logo de cara. Envolveu sofrimento, desgaste, revolta, confusão. Não é porque a nova rotina é "sem câncer" que a adaptação dá menos trabalho. E é fundamental que você aceite esse fato, continue caminhando e aproveitando o que quer que haja de bom no caminho.


Quanto à sua rede social, se você explicar, as pessoas entenderão. Mas algumas pessoas simplesmente não entenderão. Tente avaliar se você sente que deve algo a essas pessoas; se a resposta for sim, dedique-se a elas. Se não, aceite seu direito de seguir em frente. Coloque-se no lugar das pessoas e procure fazer aquilo que você gostaria que fizessem com você, mas não exija demais de si mesm@.


Pra terminar, tenha uma coisa clara: você vai errar com alguém e acertar com outros, mas a vida é assim, com, sem, antes ou depois do câncer.


Um grande abraço e até a próxima!











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